sábado, 20 de novembro de 2021

XXXIII

vós sois a cuja que no Éden mirei

como se a mim pertencêsseis, costela,

vós sois o átrio que a tudo contemplei

como se abrísseis vasta janela


no mais recôndito vosso entrei

destes-me pátio, longa passarela

destes passeios em vós não demorei

navegar-vos foi tormento e procela


destes-me um fruto que me rubro soía

como se fosse olmo de panaceias

pleno de pomos e raras delícias


estes incursos no entanto me doíam

como pugnazes de bruxas ateias

que me presenteavam primas malícias


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20/11/2021

XXXII

o desastre mor da língua não liga

dês que herdamos todos da alta babel

um não sei quê de discórdias, intrigas,

die Sprachen, des langues tidas em véus


para uma só musa tantas cantigas,

da mesma beatriz são vários os céus,

cancioneiro infindo a todas abriga,

é dote de estima e vasto papel


será que ouvis minha lira tão lhana

ou prezais que a vos dê em alvo latim

sem que isto vos seja vão parecer?


amo-vos de todas formas humanas

e neste amor me descubro um tal fim:

o verbo mais irregular é ser


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20/11/2021

sábado, 6 de novembro de 2021

XXXI

meu corpo é um descampado grão, indefeso

donde salpintam saraivadas, sismos,

disjungem-no lumes de lavas acesos

ou uma sizígia que impõe cataclismos


tolhiço sangue que em tubos vai preso

perfura meu peito em intemperismos

malgrado o projeto que geme coeso,

de chôfre, subleva emergindo o abismo


no que cisalha sobeja a voragem

rompante de anseios que ataca o virente,

mas falto de viço, o meu coração


silhares furam a garba coragem

e a tornam em débil, retesa e doente

legando apenas a muda oração


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06/11/2021


choro das águas, choro bandido