sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

XVII

chuva longínqua lavou-me a cabeça
fez dos meus olhos escorrer um pranto
enquanto da boca cessava o canto
e a água agridoce tornava-se espessa

que aos ombros a cruz maior me pareça
no peito o vigor não era pra tanto
chorar sem pudor como fez o santo
só faz com que o plexo sofra, padeça

a lágrima gela ao correr a paixão
e ao gelo das dores derrete e inunda
formam-se ilhas com os flancos ao chão

a água incontida no barro se afunda
tangendo as juntas de um velho caixão
corria aos meus pés emoção tão profunda

13/12/2019

sincronia

domingo, 1 de dezembro de 2019

XVI

peito que vaga na busca de amar,
vaga ondulante rebenta na trilha,
límpido pranto que a vejo tomar
larga no rosto um passado que brilha

traz um cigarro que insiste em fumar
sendo da noite legítima filha,
onipresente como fora o mar,
prefere silente assentar numa ilha

o tinto que entorna confunde as águas
e o sopro vital lhe saiu co'a fumaça
enquanto se acerca ao encalço uma traça

quando o notar andará sobre as mágoas
que algo mais puro reside na Taça
e aquele Amor surgirá como Graça

01/12/2019

sexta-feira, 22 de novembro de 2019

XV

inda que a minha mão a tua não toca
meus olhos contra os teus unem-se em prol
mesmo que o afago contido não trocas
sentidos puros se alternam num rol

reténs-te segura ao mar numa doca
embora me foras casto farol
castras o amor que num cais vasto estoca
num dia qualquer tu lhe inflamas o paiol

versos que prezas de um velho os já li
lembram de um tempo se queres que opine
de sangue e chagas que ao bem não define

se queres razões não busque-as ali
libertes tu'alma e não mais a confines
fazendo que o amor assim descortine

22/11/2019

XIV

soubeste da nova melodia feita?
arrancara gorjeios da passarada
que se punha à janela n'alvorada
da alcova de onde longe a noite deita

meu leito este longo vazio rejeita
nem deixa que as penas jazam paradas
levo-as à tinta e percorro as beiradas
da nota com versos que a ausência aceitam

quando partiste pensavas que tinhas
levado contigo o ardor dos caminhos
e o aroma das rosas, deixado o espinho?

lembravas que ouvi o segredo das vinhas
e é no que medito ao levar-me ao pinho
do corpo de Sol bebido no vinho?

22/11/2019

quarta-feira, 4 de setembro de 2019

XIII

acercai-vos à janela e escutais
como o solfejo dos ares irrompe,
ouvi o marchar das falanges brutais
o quanto o ordinário andar interrompe

os que julgam livres, libertos, tais
ignoram ao são e de máculas rompem,
vede que os males e o pó que ajuntais
estorvam aos dias e ao mundo corrompem

pena certeira por vós faz-se justa,
submete a todos e ao fim precipita,
sem ver proveito de no mal proceder

de livres ao julgo os sábios se ajustam,
por norma fazem que o bem se repita,
nesta única senda de vivo ascender

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04/09/2019

sexta-feira, 1 de março de 2019

XII

amores que passam qual breve aceno
prenderam em garras o tolo odisseu
dez anos pranteava ungido em venenos
por amores vis que blasfemam de Deus

de cego não viu os afagos pequenos
e um mórbido beijo lhe convenceu
soube do engano pois versos obscenos
de outros poetas seriam que não dos seus

busca o guerreiro deixar a desdita
e ruma prum mar repleto de ameaças:
de feitiços dóceis e falsos amores

nem pôde esperança encontrar em ítaca
querendo da maga a velha mordaça
que ora prezava por outros senhores

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25/02/2019

sábado, 5 de janeiro de 2019

XI

trilhas de prantos nutriram jardins
nos quais findavam caminhos opostos.
como um felino de pele cardim
a um novo amanhã mostravam-se a postos.

se o divo da aljava expedia dardins,
olhos dos imos não tinham transpostos.
se dentro ecoava através de clarins,
igual tamborins lhes seriam dispostos.

eu declinava e não pude me dar,
sem ter firme chão desde um desamor.
restou em meu medo o certeiro falhar.

ela silente não soube quedar
e suas defesas assim desarmou,
e o novo amanhã fez num beijo raiar

05/01/2019